Folheia estas imagens
como que, da flor, tocasse cada pétala
com os dedos: tal delicadeza é a que o seu rosto pede
se, distante, já se não vê senão nelas,
imagens que o lembram esquecendo-o. Basta
para tanto guardá-las numa caixa
ou desviar o olhar, e já não está. Não
respira, ofegante de tão próxima:
uma imagem não deixa que um perfume
lento faça o corpo singular comunicar-se,
não tem das mãos o toque quase etéreo,
dos olhos, tal intensidade
que nada saberia fixar, da boca
essa presença inesquecível. E tendo
a imagem disso nada por ela se tem,
ou chega a ter, na imagem vai, e perde-se,
e transfigura-se o quanto nela acolhe
a dor da ausência, se é ao mesmo tempo
a que relembra. Assim o vento é imagem,
a chuva imagem, o sol, mesmo ele
é uma imagem. Em cada um desses estados
pode ver-se o seu rosto, sob a chuva ou o sol,
o que o procura, cabelos levantados
pelo vento, olhos sorrindo,
o todo a revelar-se sob a luz. Então,
o que magoa é tudo ser já imagem
e nada ser presença, já que presença,
sendo forma que nos põe diante da morte,
é ainda a pulsação maior da vida. E
no silêncio, no que traz a quietude
e o repouso, se faz também a imagem,
o seu sortilégio de perda, de abandono. Olha -
diz para o vento, mas sem que som algum
se chegue a ouvir, pois é para dentro de si
que o diz ainda - vê o que soçobra. Olha
os pássaros que sobrevoam o mar. Ou:
eis a noite que chega, ou ainda: esta flor
queria colhê-la para te dar. Mas nada significa,
se és imagem, e se no vento és imagem, e sob
o sol imagem, e nas gotas de chuva ainda
outra imagem ou nas cidades todas
as imagens. É só esse quem fala. E
como o que folheia as páginas, as pétalas,
move-se pensando que é num livro,
e a cada uma desaprende da anterior,
pois cada uma esvoaça e vai perder
no vento o seu perfume, a sua cor. E assim,
pesado ainda na terra, não sabe como voar
com elas, acompanhá-las no vento, a fundir-se
nesse leve movimento que de si parte
e a si jamais regressa. Tal é a natureza
das imagens, estarem e não, trazendo
à memória na proporção exacta
do que levam, mas ferindo sempre,
como a lâmina gelada que jamais
cessasse de espetar-se, e não trouxesse a morte,
de cada vez abrindo mais a ferida,
até que todo o corpo fosse a própria
ferida. Isso é uma imagem: a ferida
jamais cicatrizada.