Meu amor, eu irei buscar junto às tuas mãos,
quando dormires, a flor abandonada
que delas se suspende, e dos lábios,
que no maior silêncio haverei de contemplar,
colher apenas a visão de te beijar. Eu sei
que nesse corpo adormecido, o meu encontraria,,
se nele se perdesse como o náufrago
que não sabe outro destino que o mar,
a sua única paz. E no entanto,
sabendo-o, permanecer junto a ti quanto menos
dessa presença possas sequer suspeitar,
dá-me o sinal mais exacto deste afecto. Pois
dele já não regresso vitorioso,
nem do seu abraço chega o repouso
a dar-me abrigo. Antes revelo a mim,
no seu espelho de beleza e de quietude,
nas suas pétalas imóveis, uma outra dimensão
do que é o amor. Aquela que jamais antes
conhecera, a que me faz, ainda que sangrando
dos sulcos que na carne abre o desejo,
contemplar-te num ponto que aos teus olhos
jamais se mostrará. Pois é no sonho
que creio visitar-te, e no sono abandonado
a que te entregas que eu deposito apenas
os reflexos, qual narciso de que fosse
teu corpo único espelho. Assim
reflectes tu, em mim, dessa luz diáfana
o que me revela a um saber
desaparecer. Já que é por ele, que do meu corpo
faz inesperado espectro, que chego a tocar-te
de um modo verdadeiro. Aquele que no meu
desenha o teu maior contorno. A ter-te
no silêncio, a contemplar-te, eu deixo
de ser meu, deixo de ser do mundo. Desaparecendo
é em ti que me vou fundindo aos poucos,
até não ser mais que o sopro
que respiras. E por ele,
amor, hás-de voltar.