Nada fizeram por merecer-nos, os deuses.
Não se deram sequer ao trabalho
de nos salvar,
mas morreram várias vezes
e morreram outras tantas
em muitas línguas e países,
ou circularam
da planta ao jardineiro
tudo ligando
em universal desarmonia.
Cansados de converter os gentios,
de verem expostas suas vidas
em textos sagrados,
fartos de prestarem favores
a troco de rezas e flores,
invocados em missas negras e concertos
de black metal,
fumados nos trópicos,
possuídos por xamãs nas vastas regiões
do Norte,
procurados no alto das montanhas
do Nepal,
vendidos em templos de arrabalde,
arrumados em nichos,
feitos ídolos com nossos pés de barro
a fraquejar nas igrejas
ou tomados por autores da matéria
(quando só o espírito
os podia explicar),
desvincularam-se do mundo
e das palavras,
emitiram comunicados em que negaram
qualquer envolvimento
em ataques de bombistas suicidas,
na gestão de um condomínio no céu
(equipado com dez mil virgens),
nos juramentos do presidente dos E.U.A.,
nas promessas não cumpridas
de uma Nova Jerusalém
ou na eleição de qualquer povo
em particular.
Criados à nossa semelhança
contra nós se revoltaram.
E nós, fracos, a revolta lhes perdoamos.
Nossa a culpa de os ter criado.