*
estive nos lugares, vi o que homens fazem
com os nomes vi a cerca de lume e a memória vi a cinza e os séculos
derramados sobre a erva e como é feito
de argila o partido coração dos homens
vim ver os lugares
dizem que os nomes estão todos no livro
que o deus escreveu antes de serem mas eu não acredito
dentro do livro a seiva é já o sangue
vim ver os séculos todos juntos postos
entre paredes e arame ver como por dentro
da cinza os mortos ainda olham para o seu próprio nome
que nunca esteve no livro
vim ver essa forma de olhar desde dentro
do barro a ausência do nome
vim ouvir as vozes a seiva o sangue
no interior da madeira vim também pela
pele pelas pedras pela seda pela cal vim também pelos pássaros
e vim pelos teus lábios pelos teus olhos pelo mármore vim pelo sangue
vim por tudo o que não tem voz
*
quero que as minhas mãos sintam isto tudo (aqui)
sou como uma casa que o fogo chama para junto de si
comigo tenho o nome de todos
os meus antepassados todos
são meus antepassados
comigo tenho as vozes a seiva e a lágrima gravada dentro da madeira
sou antepassado deste lugar
o meu nome também não está no livro
vim ver como nenhum nome está
no livro
mas vim ver o livro o lugar
vim ver as mãos intocadas os rostos
cegos sem mármore por cima vim ver
a terra por dentro e o céu (incrível) por cima
azul como a tal flor cerceada
por todos os séculos vim ver o nome do único
lugar
o nome da tua mãe
de todas as mães vim ver todos
os meus antepassados
o lugar onde perderam
o nome que nunca tiveram
*
ver como no livro este lugar ocupa o centro que sempre foi negado
ao rosto das mães o lugar que a tua mãe não teve
o lugar como um coração perfurado vim escrever
dentro da madeira o sangue a seiva o seu rosto
vim para que as minhas mãos te devolvam um pouco
daquilo que nunca (te) existiu vim pela rosa vim ver
apenas o rosto
da tua mãe e como é feito de água
e silêncio tudo o que está escrito no livro negro
como o interior de uma agulha
*
dizem que para se ver a si mesmo pelo desejo
ele criou os lugares
criou também este e para ele o fogo o ferro a carne
como se uma criança antes do mundo e
sem infância lhe tivesse dito
uma lentíssima coisa inaudível uma louca erguida coisa
sem nome e ele tivesse ouvido um pouco
de tudo aquilo que não se pode ouvir
sei que se criou sem olhos
e que sem mãos é o seu nome sem sangue vim ver
a cegueira ver a terra toda cega
dentro do coração
e negra sob a erva aqui o sangue
é azul como as crianças e os olhos
aqui a água não tem nome
vim ver como aqui é impossível que água tenha um nome
este é um lugar sem casas vim ver
a mais absoluta ausência (porque) vim
olhá-lo nos olhos
*
vi todos os séculos estive
com os meus antepassados dentro
da pedra sem nome dentro da terra negra vi todo o tempo
implodido por dentro da semente encontrei
o fogo a cinza os rostos todos e falei
durante uma pequena eternidade com uma pedra de mármore
ou vi tudo o que não poderia ter visto agora sem imagens
reproduzo o estilhaço
a doença que cria
os mortos já dentro do fruto no tumor erguido sobre a pedra plantei
a minha figueira descarnada e de madrugada
à noite e ao meio dia e à tarde bebo eu também
o leite negro com mais força e mais funda ainda
trouxe a pedra dentro do coração agora não tenho
nem nome que dar à água
*
vim porque no poema
toco onde
o deus nunca quis pôr o dedo onde a carne
dos vivos estremece e os frutos
já caíram antes de nascer aqui sou idade sem idade
pedra rosto e veneno antiquíssimos fome sem nome
vim porque
no poema sou estritamente mineral
e tenho um dedo que toca na pedra e estes lábios
da cor da cal tenho também o nome da tua mãe
e a nacarada estrela à altura do peito tenho
uma pedra sem nome e o mel
quando toco no sal toco também nos mortos
e fico cor de ouro na boca cor de púrpura as mãos tacteiam
nas casas a ausência dos filhos no poema sou pedra que se atira
a si mesma e os olhos a ver
como é doce e amarga a água sob a erva e é também verdade
que para mim os mortos sorriem como colheitas em chamas
como quando sonhavam com o odor dos pomares e eram crianças
e o seu corpo pesava mais do que a sua morte
*
vermelho é o lugar que a água não nomeia arde
o meu nome
desse lugar que trazes ao peito da flor
de água dos teus lábios sou sem cor
retiro a elação da semente toda a previdência excluída
da matéria (todo o destino sem lugar) do mundo
o lugar que a água nomeia é branco por fora negro por dentro
e vermelho quando te toco vermelho cor de fogo
quando vamos aos lugares e depomos
os nossos mortos sobre a erva e nem um único som
ouvimos nem as pedras falam nem os mortos
ouvem nada que não seja vertical nada
que não seja uma mínima coisa acesa
nas mãos por séculos e séculos expostos
à fome das velas enquanto o olho lê na parede
a estria do sangue o estilhaço da flor no interior
da cerca dentro do âmbar como eu leio o lugar
que trazes ao peito como se fosse negro como a água vermelho
é o lugar onde a criança se senta com os olhos
cor de madeira cor de cedro cor mãos de jade a tocar
na sua mãe toda sonhada (toda erguida)
dentro da pedra dentro da semente dentro
do texto a criança como uma coisa vermelha como
o lugar ardente que trazes ao peito vermelho
*
sangue meu pedra negra água morta vim porque
no teu peito sou pela pedra sonhada pelo lento lastro
de odor disseminado eu sou o lugar onde
uma criança se senta a sonhar a morte dos teus olhos e
a fome que a madeira tem do fogo sou
um modo de me inclinar sobre os teus joelhos e ter
mãos vermelhas do lugar que trazes ao peito vermelho
é o lugar negado à semente
negado à água eu sou a fome que devora o fogo
aquela que faz os homens felizes aquela vim porque sou aquela
que lhes mostra a verdade do calor ao centro
do peito também do teu onde sou o fogo dentro
do fogo onde sou mais vermelho no vermelho
vim porque também eu sou mais negro ao meio-dia da cor
do leite como tu disseste aquele que bebemos
enterrados no ar sou da cor do teu peito sou
a morte a tua mãe e a erva amarga e doce por cima
dos seus olhos tenho todos os nomes mais cruéis
e a água morta pelo peito tenho todos os séculos
vermelhos parados dentro do sangue
*
dói-me tanto dizer cadeira mesa
fruto pedra âmbar ar
dói-me tanto como quem diz fome
e doem-me os olhos do mortos
nas paredes e os frutos nos pomares
e a cor dos pássaros quando morrem
vim saber a cor dos pássaros quando uma criança chora
e no que pensam as pedras quando morrem
vim porque sou a fome que faz os homens felizes
aquela que é dentro da pedra
a fome a infinita saudade que os mortos têm dos vivos
vim porque também eu sou a morte
e a homenagem
que têm nos lugares