De extremo a extremo
a sombra intransponível das carruagens
os copos parados e a água que os exerce
a propriedade dos que regressam
como estátuas de areia a descer as avenidas
e todos os semáforos vistos do espaço
inocentes
e frios
A esta hora
os armazéns começam a expedir
a minha febre desalojada ainda há pouco levada com o lixo
esta viagem afastou-se do seu destino
este abalo tão concretamente declarado
veio solucionar o milagre
a realidade dos meus actos transactos
a sua inesperada
igualdade
com os atropelamentos
Não somos mais que um verso do acaso
um verso implorado que vem errado
e porém se acerta e conforma
com o seu próprio desastre
pois assim é tudo
o estacionamento dos nossos olhos
as serpentes no deserto
os materiais imprevistos que nos servem
e servem geralmente
sem interrupções de inverno
a rota de colisão com
o susto
Porque esta musculatura desconexa
é o poema
e o poema o óbito provisório
do que não morre nunca
do que se refaz nas ligaduras infectas
morreu não morreu passou secreto pelos túneis
subtil até ao escândalo
e agora na amplidão como um sacrifício
como a reparação de um dano
como máquina dispersa
Tu que partiste
não pudeste eleger a logística da tua raiva
depositaste a tua ternura nos descampados
incendiaste a cabeça
observaste um minuto de silêncio que te custou a boca
mas isso não foi preparares-te
isso foi ainda e será sempre a tradução simultânea
do teu dialecto
para o idioma comum que ignoramos
e os verbos contrários (a gramática não explica)
siameses no tributo cego que devemos
ao movimento
Não há preparação
não há morte
tudo o que posso denunciar como meu
é forte nos ossos rápido nos nervos
como se a esperança desmontada
o meu suicídio até
não me impedissem de chegar ao segredo involuntário
que me cruzou
e é a minha vontade
A esta hora
enquanto o relvado interpreta obsessivamente a chuva
também eu me enquadro na janela dos hospitais
também eu falo com as mesas
também eu me inclino sobre o mapa
in extremis
para não ignorar o lugar da minha queda