Se pouso a mão sobre a tua pele,
imediatos acidentes acontecem: flores
brotam, inesperadas, terramotos,
incêndios, talvez revoluções,
vertiginosas mudanças do clima, atrasos
nos horários dos transportes, gente
urgente de beijar-se nas ruas. Isso
já vimos: o explodir solar das coisas
certas, a estrada abrir-se ao coração
de tudo no princípio. Isso é a tua pele,
que a mão apenas pousa sente táctil
de paisagem de carne jamais vistas. Por elas
são os teus olhos que regressam, dois
lagos fundos, dois faróis febris
cortando a noite, por muito que Adorno
tenha dito que a poesia lírica já não cabe
no mundo. Se Adorno, ele mesmo,
tivesse tocado na tua pele, desceria
da funda convicção e pediria aos poetas
que dissessem uma outra vez o mundo
tal qual nela recomeça. Árvores nascendo
do milagre tímido do seu estremecer,
rios que correm da fonte assim
teus olhos se levantam. A imensidão
tangente ao mar quando te moves
lenta, ou hesitas, distraída do teu passo. E
uma lua a erguer-se quando falas,
um pouco mais de noite quando partes. Se
pudesse habitar-te, como no declive
de um monte se erguem casas,
ou junto a uma praia sossegada,
um pescador absorto observa o mar,
se soubesse cingir-te tal o orvalho à flor,
pela manhã, ou ao fruto a mão
de uma criança, eu iria por caminhos
apressados, e fazia de ti o meu país. A
terra prometida onde voltar e onde
erguer com tempo a minha casa. Mas
eu olho. Olho em volta e vejo
que não estás. Tudo era só sonhar-te
e despertar é compreender em mim
abrupta a ilusão da fantasia. Levanto
a mão inconvicta para o lado, à procura
na estante sempre fixa da Teoria
Estética. E folheio-a distraído
no mais lírico desgosto de existir.