…sola est non territa virgo,
sed tamen erubit
Ovid, Metamorphoses, VI: 45-6
The web is so sparsely woven that I am sorry
I have wasted my time with other games,
for with talent and time I could well
abandon cold geometry
and draw figures so real
that through them I would reveal
the greater truth of fantasy.
A swan, for instance, made into a sign
for the incendiary love that brings
gods down to earth, looking for people;
over there a cloud, from where rain
or light falls, simulating
small drops of sun, golden coins;
horses, birds, cattle, and a dolphin;
underneath, in a separate frame,
the tortuous body of the snake.
But, small as I am, I fear the envy
of society, or of a higher power
that may see me as a rival or parasite
and may turn me into a repellent beast;
it will be better to produce, inside the darkness
of the cupboard, with the steady tip of the compass,
the simplest artefact which would
preserve me, deo gratia, intact
till the day (still far off I hope)
I might fall into some toad’s mouth.
The plot-less web is my fixed idea,
pure crystal, like the ones in snowflakes, abstract,
as clear as the simple alphabet
where words speak noiselessly;
the straight line, the spiral, and the nothingness
granted only to the filigree
are all my pride, ultimately
to have portrayed that exact place
where I can be human, secretly.
© Translated by Ana Hudson, 2010
Aracne (p. 15)
…sola est non territa virgo,
sed tamen erubit
Ovídio, Metamorfoses, VI: 45-6
Vai tão pequena a teia, que lamento
ter perdido o meu tempo em outros jogos,
pois com talento e tempo poderia
abandonar a fria geometria
e desenhar figuras, tão reais
que nelas revelasse
a verdade maior da fantasia.
Um cisne, por exemplo, feito signo
de amor incendiário que conduz
deuses à terra, procurando gente;
uma nuvem ali, de onde cai chuva
ou luz, mas que simula
pedacinhos de sol, moedas de ouro;
cavalos, aves, gado, e um golfinho;
por baixo, em singular moldura,
o tortuoso corpo da serpente.
Mas, pequeno que sou, receio a inveja
da sociedade, ou de um poder mais alto
que em mim veja rival ou parasita
e me transforme em bicho repelente;
melhor será, na escuridão do armário,
com a segura ponta do compasso
produzir o mais simples artefacto
que me conserve, deo gratia, intacto
até ao dia (bem tardio me seja)
em que caia na boca de algum sapo.
A teia sem enredo é a minha ideia fixa,
puro cristal, como os da neve, abstracto,
tão claro como o mero abecedário
onde as palavras falam sem barulho;
a recta, a espiral, e o nada
que só à filigrana se consente,
são todo o meu orgulho, e no final
ter desenhado esse lugar exacto
onde em segredo posso ser humano.
in Aracne, 2004