To go to the movies, in a darkened cave,
to nestle on the armchair of your shoulder
in a good old woolly jumper
is the surest pleasure left to me.
How nice to let myself lie on the discreet oscillation
which is born of your body, carrying me
to that inebriation called rhyme;
to feel the clean smell of your hair,
to guess the taste of your saliva.
And although I see the dense crowd
(that the visuals have made so inoffensive)
shaking and laughing and being moved
by the dim light of the narrative,
I know that all this is but a mere act,
a commonplace magical effect,
watched and judged all along
by the obscene eye of the architect;
and even the clear shape of the landscape
is a rough veil over a sensitive illusion,
a metaphor or reflection from another world,
perfect and pure, where people have no place
(but, mind you, the miserable fleas do).
Still, you are real, you feel a heart
pulsing inside, and it even looks like
you have in you the secret inclination
to be your own master, and to share
the appropriate life of an insect.
Hence I dream and sense, suspended
by a thin thread, at the level of your breast;
but already, impatient, you mumble
that you are wasting your time on a pointless film;
better would have been to dance all night
in a cosy discotheque (a damned invention,
alien to any state of meditation),
or to go back home where, for free,
you are sure of more down-to-earth company.
To stay here on my own, without
the mystery of your white fragrant flesh,
becomes a frightening prospect;
how can I tell you that, after all, I
also want to find out about the knot in the plot?
Of the few hours that make up for a long life,
these are the fairest and the best;
the film is about to finish, stay with me until the end;
don’t you know you are lost, when you lose yourself from me?
© Translated by Ana Hudson, 2010
Aracne (p. 21)
Ir ao cinema na caverna escura,
sentar-me na poltrona do teu ombro
numa t-shirt antiga de bom pêlo,
é o prazer mais certo que me resta.
Que bom deixar-me estar na oscilação discreta
que nasce do teu corpo e me transporta
a essa embriaguez chamada rima;
sentir o cheiro limpo do cabelo,
adivinhar-te o gosto da saliva.
Pois, embora eu veja a multidão compacta
(que a imagem tornou inofensiva)
estremecer a rir e comover-se
à imprecisa luz da narrativa,
eu sei que é tudo só um mero acto
de magia vulgar vinda do tecto
onde o olhar obsceno do arquitecto
ao longo da visão vigia e julga;
e mesmo a clara forma da paisagem
é tosco véu de uma ilusão sensível,
metáfora ou reflexo de outro mundo
perfeito e puro, onde não entra gente
(mas entra, vê tu bem, a miserável pulga).
Tu porém és real, sentes lá dentro
um coração pulsar, e até parece
que tens em ti a inclinação secreta
a seres dono de ti, e partilhar
a vida verdadeira de um insecto.
Assim eu sonho e penso, já suspenso
por fino fio, à altura do teu peito;
mas já, impaciente, tu murmuras
que perdes o teu tempo em desgraçada fita;
melhor seria, em quente discoteca,
toda a noite dançar (uma invenção maldita,
alheia à condição de quem medita),
ou regressar a casa, onde de graça
te aguarda mais concreta companhia.
Ficar por aqui só, sem o mistério
da tua carne branca bem cheirosa,
é uma perspectiva que me assusta;
como dizer-te que também eu quero
afinal conhecer o nó do enredo?
De poucas horas feita a longa vida,
são estas as melhores e as mais justas;
está o filme a acabar, fica comigo até ao fim;
não sabes que te perdes, quando te perdes de mim?
in Aracne, 2004