I’ve been round the world, carried
sometimes by the wind, sometimes perched on the back
of the most vigorous migrating birds;
I’ve been through deserts, I’ve seen
beaches bordered by the vague human mist;
adrift on high seas,
I’ve visited the most desolate islands.
Like a hero of antiquity, I could well
consider the web of fate
and give them the consistency of a story;
adventures, episodes, casual
shipwrecks, harsh exiles come to mind,
and are, in the art of verse, figures
of some obscure, primitive absence.
Hanging from a beam, protected
by the supporting walls of this raised
house, like a ship above great depths,
I could, with a little effort, have drawn
on the white paper a new body of wings,
to rest at last, all covered
by a soft layer of memories.
But even if I am to transform, I don’t aspire
to the condition of a tombstone
or more ephemeral monument to myself;
nor am I in a hurry to be reminded
of hazardous death this winter,
armed rats spreading plague,
others left on the iron wheels of fortune.
I know well the human body is fragile, immature,
a tad soft, not very colourful;
it doesn’t have the classic cut of the beetle,
or the frugal manner of the scarab;
having hardly flowered, it soon grows old,
and what little it builds is soon a mould
of what never was, transfigured into shadows.
So too will I be; no matter how often I am told
that I am wasted in such mutation
and that I even risk a ridiculous fall,
I insist on being human for a day
so that you may see me as I am:
a grain of fine sand moving
on the golden whisper of your skin,
the brief shudder through your body,
the lazy life of all the senses;
and then, your equal, perhaps I’ll be the conqueror
or let myself be conquered and be owned,
with the vanity that comes to me from having
the wise heart of a little spider.
© Translated by Ana Hudson, 2010
Aracne (p. 45)
Já dei a volta ao mundo, transportado
às vezes pelo vento, outras no dorso
de vigorosas aves migratórias;
atravessei desertos, vi as praias
que a vaga névoa humana delimita;
flutuando à deriva no mar alto,
fui visitar as mais desertas ilhas.
Como um herói antigo, bem podia
debruçar-me na teia do destino
e dar-lhe a consistência das histórias;
ocorrem-me aventuras, episódios,
naufrágios casuais, duros exílios,
que na arte do verso são figuras
de alguma obscura ausência primitiva.
Suspenso de uma trave, protegido
pelas paredes mestras desta casa
erguida, como um barco, sobre abismos,
com pouco esforço poderia ter
no papel branco um novo corpo de asas,
e descansar enfim, todo coberto
por um suave manto de memórias.
Mas se vou transformar-me, não aspiro
à condição de marco funerário
ou ténue monumento de mim mesmo;
nem tenho grande pressa de lembrar
a morte mal parada deste inverno,
ratos armados espalhando a peste,
outros deixados nos carris da sorte.
Bem sei que o corpo humano é frágil, imaturo,
um tanto mole, e pouco colorido;
não tem o corte puro do besouro,
nem o jeito frugal do escaravelho;
mal chega a florescer, logo envelhece,
e o pouco que constrói cedo parece,
transfigurado em sombra, não ter sido.
Assim serei também; por mais que digam
que nesta mutação me desperdiço
e arrisco até uma burlesca queda,
eu teimo em ser humano por um dia
para que possas ver-me tal qual sou:
um grão, de fina areia, que se move
no dourado rumor da tua pele,
o breve estremecer que te percorre,
a preguiçosa vida dos sentidos;
e depois, teu igual, talvez te vença
ou me deixe vencer, e te pertença
com a vaidade que me vem de ter
o sábio coração de um aranhiço.
in Aracne, 2004