Dead birds’ bones as relics of saints: I’d wear them if they brought me good luck. And if asked whose bones I boasted around my neck, I’d reply they belong to the most polluting saints of this land no longer inhabited by seagulls alone.
But I know of no achieved miracles: no news of birds healing vagrants from blindness, diabetes or simple drunkenness. Their purpose is destitute and substituted by some gaze crashing on to the tarmac; all mortality lying there and, even so, blindness remains incurable, for as they are not religious animals they don’t know how to bless the eyes of the passers-by, nor to listen to god routinely reciting timetables and commandments. I think we should all carry psalms in our pockets, easy-digesting stuff for underground breaks.
Pigeons reveal their most secret side only to the surfaces of stones for they know their accident-inducing perverse nature towards those who go stone-crossing in winter. I mistrust birds since I only find dead ones. So dejectedly dead, they have no graves. Only thin veins among granite slabs till they vanish underneath the shoe soles or the earth which gives the stones a binding illusion. In this particular, they remind me of people.
I divide birds in poetical order: if an elegy is a seagull in the shade picturing itself a vulture in africa, a sonnet is a canary locked in a cage too spacious for the cat’s hunger, and a villanelle is a broken legged sparrow comforted by a child who will unintentionally smother it while running to show it to his mother.
Birds, like poetry and people, are only good for showing that death inhabits every street. And I would wear a delicate wing-bone necklace, with my favourite poems engraved on them, if I knew this would change the odds in my mourning draw.
© Translated by Ana Hudson, 2015
Ossos
Os ossos dos pássaros mortos como relíquias de santos: usá-los-ia a todos se com isso achasse atrair boa sorte. E se me perguntassem que ossos eram aqueles que levava ao peito, diria que são dos santos mais poluentes desta terra onde já não moram só gaivotas.
Mas não lhes conheço milagres: notícias de pássaros que curem vagabundos de cegueira, diabetes ou simples bebedeira. O seu propósito, destituído e substituído pela queda do olhar sobre o alcatrão; toda a mortalidade ali e, ainda assim, a cegueira sem cura, pois por não serem bichos religiosos não sabem abençoar os olhos dos que passam, nem ouvir deus recitando horários e mandamentos às rotinas. Acho que todos devíamos levar salmos nos bolsos, coisas de fácil digestão nos intervalos entre os subterrâneos.
Só à face das pedras os pombos revelam o seu lado mais secreto, por lhes conhecerem a natureza perversa com que provocam acidentes aos que as atravessam no inverno.
Desconfio dos pássaros por só os encontrar mortos. Tão pobremente mortos que nem sepultura, só os veios estreitos entre as pedras de granito, até que se somem debaixo das solas dos sapatos ou na terra que dá às pedras a ilusão da unidade. Nisso lembram-me pessoas.
Divido-os por ordem poética: se uma elegia é uma gaivota à sombra, imaginando ser um abutre em áfrica, um soneto é um canário enclausurado numa gaiola demasiadamente espaçosa para a fome do gato, e uma redondilha é um pardal de pata partida encontrando conforto nas mãos de uma criança que, sem querer, o asfixia enquanto corre para o ir mostrar à sua mãe.
Os pássaros, como a poesia e como as pessoas, só servem para mostrar que a morte habita cada rua. E eu usaria um colar de ossos de finas asas, onde se gravassem os poemas de que mais gosto, se achasse que isso serviria para mudar a minha sorte de velório.
in É quase noite, 2013