It’s almost dark.
Women of different ages await the arrival of someone who’ll take them. While waiting, they talk to the stones with eyes that bear the widowhood of days. I’ve seen them all my life. Away from the stones, close to the sea. In the days when striped beach huts were hired, picnic lunches and folding chairs were taken to the sand and the children were learning to swim in the sea, well away, golden little dots appearing in the tides. I can see their whole lives. They used to arrive in the morning and leave when the afternoon came to an end, shaking the sand off their feet. Their faces broken by the sun reach out today to the stones’ muteness. I see them and I walk on: this street is a route far too far away from the sea.
It’s dark. The traffic lights illuminate the clearings. The city is a forest where each man is a model for the meagreness of the vineyards. Slow, they walk along the avenue, vine bodies burnt by the January moonlight. The wind triggers no movement at all, not a single gesture: only twigs lie along the dark overcoat of these cold days. These are no women to be talking to stones. It’s men for whom still having a face is an irregularity soon to be suppressed. An individuality which will run out on the difference between the straight walk and the inside walk. I see them coming up the avenue, their shadows going down it, piercing them like a section of a past to which returning is not denied. Each one separate, divided, two marching selves, walking the streets in opposite directions and none truly knows up to which point they’re allowed to go back.
Returning is possible only to a certain extent. You return and you are returning to the possible possibility, and that which is not possible, the return to the original shape, embryonic maternal womb, rests on the questionable line of this horizon no longer reachable by the pruned vine branches. This is all that’s left, the metaphoric body of an idea which only exists as a way to say: – it’s been dark for so long.
© Translated by Ana Hudson, 2015
É quase noite
É quase noite.
Mulheres de diferentes idades esperam a chegada de quem as há-de levar. Enquanto esperam, falam às pedras com os olhos que carregam a viuvez dos dias. Vi-as toda a vida. Longe das pedras, junto ao mar. Quando se alugavam barracas listadas, se levava almoço e cadeiras desdobráveis para a areia, os miúdos aprendendo a nadar no mar, distantes delas, sendo só os seus pontinhos dourados, aparecendo entre marés. Vejo-lhes toda a vida. Chegavam de manhã e partiam ao fim da tarde, sacudindo dos pés a areia. Rostos quebrados de sol que hoje convergem até à mudez das pedras. Vejo-as e passo: esta rua é um caminho demasiado distante do mar.
Está escuro. As luzes dos semáforos alumiam as clareiras. A cidade é uma floresta em que cada homem serve de modelo à magreza das videiras. Marcham lentos ao longo da avenida, corpos de vinha queimada pelo luar de Janeiro. Nenhum movimento é despoletado pelo vento, nem um só gesto: só galhos estendidos ao longo do sobretudo negro destes dias frios. Não são mulheres que falem às pedras. São os homens para quem o haver ainda rosto é uma irregularidade que brevemente será suprimida. Uma individualidade que se esgota na divergência entre o andar recto e o andar por dentro. Vejo-os caminhando avenida acima, e as suas sombras caminhando avenida abaixo, atravessando-os como parte de um passado a que não negam regresso. Cada um separado, dividido, dois eus caminhantes, passeando pelas ruas em direcções opostas, sem que alguém saiba verdadeiramente até onde se pode regressar.
Voltar só é possível até um certo ponto. Regressa-se e regressa-se à possibilidade possível, e o que não é possível, o voltar à forma original, embrionária de colo materno, mantém-se na linha questionável deste horizonte que os braços podados das videiras já não podem alcançar. Resta-lhes isto, o corpo metafórico de uma ideia que apenas existe como forma de dizer: — já é noite há tanto tempo.
in É quase noite, 2013