I was born a twin. my non-identical brother
died almost at birth. I shaped my personality
like the memory of the half I lack.
it’s my brother who twists at night choreographing
the comedy of errors, in a process of transference which
unfolded in a
double movement: too much of
a sharp critical sense alongside a
distance in relation to myself as
a reluctant character in the narratives I created.
in sum, a personal catholicism, with
consecutive cycles of guilt, repentance and absolution.
when you met me in the street, by pure chance,
I had just entered the third stage.
I felt good, after several weeks of insect
chasing in the attics of conscience.
I could have stayed talking to you
longer than necessary
saying I no longer need you to bring
home what is left of me, because what’s
left is little and
because
my story has often been told:
I leave to find myself lost, between clear eyes and a coffee
drunk on the way to work, knowing
these are very dangerous
games: life or to continue fasting as I write
the drowned man’s autopsy on sunken days,
till I learn to breathe under water,
which will still take a while.
© Translated by Ana Hudson, 2011
(mente corpo)
nasci gémeo. o meu irmão falso
morreu quase à nascença. formei a personalidade
como a memória da metade que me falta.
é o meu irmão que à noite se contorce a coreografar
a comédia dos enganos, num processo de transferência
que se desenvolveu com um
movimento duplo: um
sentido crítico demasiado apurado e um
distanciamento em relação a mim próprio enquanto
personagem sem vontade das narrativas que criei.
em resumo, um catolicismo pessoal, com
ciclos consecutivos de culpa, arrependimento e absolvição.
quando me encontraste na rua, por mero acaso,
tinha acabado de entrar na terceira fase.
sentia-me bem, após várias semanas a perseguir
insectos pelas águas-furtadas da consciência.
podia ter ficado a conversar contigo mais
tempo que o necessário
para te contar que já não preciso que entregues
em casa o que resta de mim, porque vai
sobrando muito pouco e
porque
a minha história foi contada muitas vezes:
parto para me encontrar
perdido, entre olhos claros e um café
bebido na rua a caminho do trabalho, a saber
de que tudo isto são brincadeiras muito
perigosas: a vida ou continuar a escrever em jejum
a autópsia do afogado, nos dias submersos,
até aprender a respirar debaixo de água,
o que ainda deverá levar tempo
in Criatura nº5, 2010