All will be lost, of course. But I’ll
certainly remember those red eyes
of a cat in Alfama* and all the poems
I didn’t write against myself
in that square, open to entrapment and dissipation.
Red wine, joints, passions being mocked
in a dialogue of absent-minded guitars.
It was your twenty-fourth birthday, for sure,
and you said, more than self-assured, that those eyes
in the night belonged to a female cat. Lost, regained light,
when one recognises the insecurity, the difficult
belonging to this sort of people,
a community of disinherited wasters whom
the moustached waiter once called
‘that drunken lot’. For this
relentlessness, we well know, is life
or death, a lasting loss
not easily extinguished under siege
of knifes or useless, vigorous
sentiments. Love, for instance,
that strange mixture of anguish, desire
and anguish again. The not-only-sex
mood as one goes to sleep in the proper arms
that keep the world at bay for ever.
But I end up staggering up the stairs
just when the neighbour of the flat below
is getting ready to become a highly
respectable person, in the local butcher’s,
where he finds the meaning of life.
And it isn’t pain, or pleasure, or
resentment that a body
experiences at six in the morning, sunk
in the unwilling mud of these verses.
It’s rather like a defective emptiness, a
homeless wound that no lips,
not even yours, could seal.
You turned twenty-four, as I said.
Don’t expect much from happiness.
© Translated by Ana Hudson, 2010
Largo do Peneireiro
Tudo se perde, claro. Mas lembrarei
seguramente os olhos vermelhos
de um gato de Alfama e todos os poemas
que não escrevi contra mim próprio,
naquele pátio aberto a ciladas e dissipações.
Vinho tinto, charros, paixões escarnecidas
num diálogo de guitarras desatentas.
Tu fazias vinte e quatro anos, é certo,
e dizias com maior razão que aqueles olhos na noite
pertenciam a uma gata. Perdida, achada luz,
quando se percebe o desabrigo, a difícil
pertença a esta espécie de gente,
comunidade de loucos deserdados a que
o empregado, de bigode, chamou
«o pessoal da bebedeira». Porque isto
que não passa, sabemo-lo bem, é a vida
ou a morte, uma perda que dura
e que não se apaga assim, sob um cerco
de navalhas ou de inúteis, vigorosos
sentimentos. Por exemplo o amor,
essa estranha mistura de angústia, desejo
e novamente angústia. O não apenas sexo
de adormecer em braços reais
que afastem para sempre o mundo.
Mas acabo por subir cambaleante as escadas
à hora em que o vizinho de baixo
se prepara para ser uma pessoa altamente
honrada, no talho de bairro
que lhe dá sentido aos dias.
E não é dor, nem prazer, nem
ressentimento o que um corpo
sente, às seis da manhã, prostrado
na lama involuntária destes versos.
Antes um vazio imperfeito, uma
ferida sem lugar que nenhuns lábios,
sequer os teus, saberiam calar.
Fizeste, já disse, vinte e quatro anos.
Não esperes grande coisa da felicidade.
in [SIC], 2002
* Old Lisbon quarter