Were I to sweep every morning this shrub’s
spiky leaves off their harbouring ground,
I would then have a perfect metaphor for the reason
why I’ve come to unlove you. Were I to wipe clean
every morning this window pane and feel
beyond my reflection the distracted transparency
of nothingness, I would see the shrub
is but a small inferno in the absence of the decasyllabic flame.
Were I to look every morning at the cobweb woven between
its branches, I would also understand the imperfection
that eats at its thread, from May to August,
disarming its geometry, its colour. Were I even now
to see this poem in the manner of a conclusion, I would notice
how its lines grow, unrhymed,
in an uncertain and discontinuous prosody
unlike mine. Like slow wind, eroding. I would also learn
that longing belongs to a web woven in another time,
a memory of some insistent beauty perched
on some neuron of mine: the fire of a funeral pyre.
The most perfect image of art. And of farewell.
© Translated by Ana Hudson, 2008
A mais perfeita imagem
Se eu varresse todas as manhãs as pequenas
agulhas que caem deste arbusto e o chão que
lhes dá casa, teria uma metáfora perfeita para
o que me levou a desamar-te. Se todas as manhãs
lavasse esta janela e, no fulgor do vidro, além
do meu reflexo, sentisse distrair-se a transparência
que o nada representa, veria que o arbusto não passa
de um inferno, ausente o decassílabo da chama.
Se todas as manhãs olhasse a teia a enfeitar-lhe os
ramos, também a entendia, a essa imperfeição
de Maio a Agosto que lhe corrompe os fios e lhes
desarma geometria. E a cor. Mesmo se agora visse
este poema em tom de conclusão, notaria como o seu
verso cresce, sem rimar, numa prosódia incerta e
descontínua que foge ao meu comum. O devagar do
vento, a erosão. Veria que a saudade pertence a outra
teia de outro tempo, não é daqui, mas se emprestou
a um neurónio meu, uma memória que teima ainda
uma qualquer beleza: o fogo de uma pira funerária.
A mais perfeita imagem da arte. E do adeus.
in A arte de Ser Tigre, 2003