Write whenever you need to let me know
there is ice on your hands and on the inside of the fridge.
The vegetables I brought yesterday
won’t survive more than one frost,
and neither will we.
Write whenever you need to, you may
tell me again that winter never came,
that this year there won’t be any summer,
that we are and are not here because we don’t know
whether we are us or those
four people who are going out now,
having found the right door.
Write whenever you need, make
a shopping list, a wish list,
note down all the requests you left
in unfinished poems.
Write whenever you need
another postcard with a dated stamp.
Write whenever you strike
yet another address from your diary.
Whenever I need it, you’ll write back
in a far-fetched hand which isn’t yours,
much too rounded on the letter d.
Those writings no longer exist,
only I and the postman ever learned to decipher them
(and everybody knows even this isn’t true).
Keep writing. Whenever I need
sentences that can avoid expressions learned by heart,
repeated like lies,
too worn out to be innocuous.
Write instead of sewing.
Even if you knew how, you couldn’t do enough mending,
your knees, elbows and ankles
torn beyond repair
(dancing has always been a remedy out of your reach).
Write that I see your falls in mine,
my sobbing in that excessive
roundness of the letter d:
your lines are straight, vertical and just,
my letters are only characters.
Whenever you can,
write lonely instead of only,
human resources instead of
urban residuals. We are perhaps more
than just people, we are different sizes
and do not fit into our designated places.
Write whenever you need a door
through which you can fit,
I never carry any keys.
© Translated by Ana Hudson, 2013
Escreve sempre que precisares
Escreve sempre que precisares de me dizer
que há gelo nas tuas mãos e nas paredes do frigorífico.
Os legumes que trouxe ontem
não sobrevivem a mais do que uma geada,
muito menos nós.
Escreve sempre que precisares, podes
dizer-me outra vez que nunca houve inverno,
que este ano não há verão,
que estamos aqui e não estamos porque não sabemos
se somos nós ou se somos aquelas
quatro pessoas que vão à rua agora,
encontraram a porta certa.
Escreve sempre que precisares, faz
uma lista de compras, uma lista de desejos,
anota todos os pedidos que deixaste
em poemas atrasados.
Escreve sempre que precisares
de mais um postal com selo e carimbo.
Escreve sempre que riscares
na tua agenda mais uma morada.
Sempre que eu precisar vais devolver-me
uma caligrafia rebuscada que não é a tua,
curvas a mais que não fazias na letra d.
Já não há desses manuscritos,
só eu e os carteiros aprendemos a decifrá-los
(e toda a gente sabe que nem isso é verdade).
Vai escrevendo. Sempre que eu precisar,
as frases podem desviar deixas decoradas,
repetidas como as mentiras,
demasiado gastas para serem inócuas.
Escreve em vez de costurares.
Mesmo que soubesses, não há remendos suficientes,
arranhaste sem possibilidade de cura os joelhos,
os cotovelos e as canelas
(dançar sempre foi um antídoto fora do teu alcance).
Escreve que eu vejo nas tuas as minhas quedas,
os meus soluços nessas curvas
a mais que não fazes na letra d:
as tuas linhas são rectas, verticais e justas,
as minhas letras são apenas caracteres.
Escreve sempre que puderes
só em vez de apenas,
recursos humanos em vez de
resíduos urbanos. Talvez sejamos mais
do que pessoas, temos tamanhos diferentes
e não servimos nos lugares que nos foram destinados.
Escreve sempre que precisares de uma porta
onde caibas,
nunca trago chaves comigo.
in Curso Intensivo de Jardinagem, 2010