I lie down under the shade of the shade-less tree – the tree
whose roots were forged in childhood – and it’s Christmas, and
the mid- of this endless night
is taking its time. I pray for
the most obscure uncertainties, for the souls who
falter at crossroads, for the tramps who
wait for midnight to sit at the church door,
on the one night they have somewhere to sit. With them
I learned the fate of human steps, the absence
of god on the world’s paths, the silence
of the sky on moonless nights. I played their card games
while mass lasted, enjoying the heat streaming
through the open church door, listening to the chorus
of the dead from the graveyard. I accepted
their cheating – in the name of those souls who listened –
as partnerships changed in the game. I paid
the demanded amount in order to be able
not to join them on the boat of time and
I saw them waiving good-bye before oblivion
clothed them in obscurity.
And now, I count the golden balls hanging
from the tree – and the counting has no end. Still, I count them,
while I pick them as if it were the fruit
season. One by one, those balls pile up in my memory,
each a face of those who knocked at night’s
door, asking for the leftovers of Christmas. I hear them
now, knocking at the poem’s door; I distribute among
them each of these words, so they can keep them – and
they leave me the dust, the wax of candles burnt
to the end of their eternity, the chorus of the dead
replying to the priest’s Latin. I enquire the way to
that childhood courtyard; I ask to be paid back
the coin I lent so they could give it to the boatman. They
vanish, one by one, telling me nothing.
Pray for me!, I say. And they don’t hear me,
as if their destiny were that of this shade-less
tree, rooted in childhood, whose fruits I count,
one by one, while waiting for midnight.
© Translated by Ana Hudson, 2012
Natal
Deito-me à sombra da árvore sem sombra – a árvore
cujas raízes nascem da infância – e é natal, e
nunca mais chega a meia-noite
dessa noite sem fim. Rezo pelas
mais obscuras incertezas, pelas almas que
hesitam nas encruzilhadas, pelos vagabundos que
esperam a meia-noite para se sentarem à porta da igreja,
na única noite em que têm onde se sentar. Aprendi
com eles o destino dos passos humanos, a ausência
de deus nos caminhos do mundo, o silêncio
do céu nas noites sem lua. Joguei com as suas cartas
enquanto a missa não acabava, aproveitando o calor
que saía pela porta da igreja, e ouvindo o refrão
dos mortos no cemitério do adro. Aceitei
a sua batota – por essas almas que nos ouviam
enquanto o jogo mudava de parceiros. Paguei
o dinheiro que me exigiam à entrada, para que
não tivesse de os acompanhar na barca do tempo; e
vi-os fazerem-me adeus, antes que o esquecimento
os vestisse de obscuridade.
E conto, agora, as bolas douradas que enfeitam
a árvore – sem nunca chegar ao fim. Conto-as, no entanto,
enquanto as vou colhendo, como se fosse o tempo dos
frutos. Uma a uma, essas bolas amontoam-se na minha memória,
dando um rosto a cada um desses que batiam
à porta da noite, pedindo o pão que sobrara do natal. Ouço-os
baterem, agora, à porta do poema; distribuo por eles
cada uma destas palavras, para que as levem consigo – e
eles deixam-me o pó, a cera de velas consumidas até ao fim
da sua eternidade, o refrão dos mortos em resposta
ao latim do padre. Pergunto-lhes o caminho para esse
adro da infância; peço-lhes que me devolvam a moeda que
lhes emprestei para pagarem ao barqueiro. Desaparecem,
um a um, sem nada me dizerem.
Rezem por mim!, digo-lhes. E eles não me ouvem,
como se o seu destino fosse o da sombra desta árvore
sem sombra, de raízes na infância, cujos frutos conto,
um a um, enquanto espero a meia-noite.