Hippocras wine
I will never know the distance from the lips
to the nose or from the spark to the fire-lit ground.
We are always less than that we have most
beautifully done and everything else, ungrateful,
we forget. From the spelling we take
the hippocras wine, from the cold the water, from the fire
the vapours of braised partridge.
If I look at my nameless self and see me
in a name to which I bring everything and nothing, I taste,
bud by bud, the fruit, the slicing of the stone,
the harsh cut of the sickle. I am the loudness
of what I hear, the blindness of what I eat and, when
I drink, my body is abandoned to a deadly
sleep that I turn in another direction.
But were I to see light inside a palate
of even sentences and congenial warmth,
let then the tongue be loosened in my mouth, the hair
of my head, let the forbidden memory
be torn, veil of a softly fastened line of silver
thread with fennel beads, and let me sleep,
lips and pleasure, on the breast of my beloved.
© Translated by Ana Hudson, 2010
Vinho hipocraz
Jamais saberei a distância dos lábios
ao nariz ou da faúlha a chão luminoso.
Somos sempre menos do que de mais
belo fizemos e do mais, ingratos,
esquecemo-nos. Da soletração levamos
o vinho hipocraz, do frio a água, do fogo
o vapor de um sopro abafado a perdiz.
Se me olho sem nome e me vejo num
nome onde tudo e nada trago, saboreio,
botão a botão o fruto, o lascar da pedra,
o corte áspero da foice. Sou a altura do
que oiço, a cegueira do que como e, quando
bebo, entrega-se o corpo a um sono de
morte que transformo em outro caminho.
Mas se é luz que vejo num céu-da-boca
de frases rasas e quentura gémea,
que se solte a língua da boca, os cabelos
da cabeça, se rasgue a memória vedada,
véu de uma suave, amarrada linha de fio
de prata e granulado funcho, e eu adormeça
de lábios e gosto no peito de meu amado.
in Adornos, 2011