Leaf through these images, as if
each one were a petal that your fingers
touch: such is the delicacy that her face
pleads for when, far away,
it can only be seen in them,
images brought to oblivion. All
you need is to keep them in a box,
or avert the eyes, and they are gone. An image
doesn’t breath, though yearningly close: doesn’t
exhale the slow scent that a singular
body communicates, doesn’t grant the light
touch of a hand, doesn’t hold
the intense vagueness of a gaze, or
the feeling of an unforgettable kiss. The
image of all this brings nothing, for all
is lost and gone with it, transfigured, and
transfiguring the pain of absence, the very pain
that asks for remembrance. Wind,
rain, sun become images. They
can all be perceived on her face
in rain or sun, her hair undone
by the wind, her smiling eyes, her wholeness
revealed in the light. It hurts, all this imagery,
this absence of being, for although it is presence
that brings death, it also
brings the greatest thrill of life. And the silence
that holds you in its restful quietness brings
the images and their spell
of abandonment and loss. Look –
tell the wind some soundless words,
even if only heard inside your head, see
all that troubles you. Watch
the birds fly over the sea. Or:
night is falling, or then: this flower
is meant for her. But nothing
means anything for you are
only image. In the wind, an image, in
the sun, an image, in raindrops yet
another image, or in the cities,
every image. Only he speaks. And like the one
turning the pages, the petals, he
thinks himself in a book, unlearning the pages,
for each one flies away, its scent
dissolved, its colour lost to the wind. He feels
the heaviness of the earth and cannot join
the pages in their flight, or merge with
the gentle movement that even if born
in him, will never come back. Such is
the nature of images: being and not
being, bringing to mind the exact
measure of what they take. Cutting
like the ice of a relentless blade that doesn’t
kill but spreads the wound, wider and
wider, till the whole body is the wound.
This is an image: the wound that never heals.
© Translated by Ana Hudson, 2010
As Imagens
Folheia estas imagens
como que, da flor, tocasse cada pétala
com os dedos: tal delicadeza é a que o seu rosto pede
se, distante, já se não vê senão nelas,
imagens que o lembram esquecendo-o. Basta
para tanto guardá-las numa caixa
ou desviar o olhar, e já não está. Não
respira, ofegante de tão próxima:
uma imagem não deixa que um perfume
lento faça o corpo singular comunicar-se,
não tem das mãos o toque quase etéreo,
dos olhos, tal intensidade
que nada saberia fixar, da boca
essa presença inesquecível. E tendo
a imagem disso nada por ela se tem,
ou chega a ter, na imagem vai, e perde-se,
e transfigura-se o quanto nela acolhe
a dor da ausência, se é ao mesmo tempo
a que relembra. Assim o vento é imagem,
a chuva imagem, o sol, mesmo ele
é uma imagem. Em cada um desses estados
pode ver-se o seu rosto, sob a chuva ou o sol,
o que o procura, cabelos levantados
pelo vento, olhos sorrindo,
o todo a revelar-se sob a luz. Então,
o que magoa é tudo ser já imagem
e nada ser presença, já que presença,
sendo forma que nos põe diante da morte,
é ainda a pulsação maior da vida. E
no silêncio, no que traz a quietude
e o repouso, se faz também a imagem,
o seu sortilégio de perda, de abandono. Olha –
diz para o vento, mas sem que som algum
se chegue a ouvir, pois é para dentro de si
que o diz ainda – vê o que soçobra. Olha
os pássaros que sobrevoam o mar. Ou:
eis a noite que chega, ou ainda: esta flor
queria colhê-la para te dar. Mas nada significa,
se és imagem, e se no vento és imagem, e sob
o sol imagem, e nas gotas de chuva ainda
outra imagem ou nas cidades todas
as imagens. É só esse quem fala. E
como o que folheia as páginas, as pétalas,
move-se pensando que é num livro,
e a cada uma desaprende da anterior,
pois cada uma esvoaça e vai perder
no vento o seu perfume, a sua cor. E assim,
pesado ainda na terra, não sabe como voar
com elas, acompanhá-las no vento, a fundir-se
nesse leve movimento que de si parte
e a si jamais regressa. Tal é a natureza
das imagens, estarem e não, trazendo
à memória na proporção exacta
do que levam, mas ferindo sempre,
como a lâmina gelada que jamais
cessasse de espetar-se, e não trouxesse a morte,
de cada vez abrindo mais a ferida,
até que todo o corpo fosse a própria
ferida. Isso é uma imagem: a ferida
jamais cicatrizada.
in Negócios em Ítaca, 2011