to Vítor Nogueira

In the park, on the grass,
where everything is so diffuse,
I do not relate
to my life. Indistinct
from the dozens of spots

which an unknown master
accidentally splashes
over the raw canvas of fortune,
I have no name or age,
not even a heart

to suffer another offence:
I’ve never descended to the hell
of unrequited love,
I’ve lost nothing precious
or necessary to me

and actually I don’t know
the four corners of fear,
nor do I own
this way of being alone
I unwillingly invented.

For now, I only hold as certain
the body I bequeath
to the warmth of spring –
and I don’t find it hard to be me,
were I also any other man

in any other time or place
who has once lay down
without care or regret
among the trees crowned
by the brief light of the afternoon.

© Translated by Ana Hudson, 2011

 

«É bom viver na terra?»*

para o Vítor Nogueira

No parque, sobre a relva,
onde é tudo tão difuso,
eu não tenho relação
com a minha vida. Indistinto
entre as dezenas de pontos

que um mestre desconhecido
distribui por acidente
na tela crua da sorte,
não tenho nome ou idade,
nem sequer um coração

para sofrer outra ofensa:
nunca desci ao inferno
de um amor desenganado,
nada perdi que me fosse
precioso ou necessário

e de resto não conheço
os quatro cantos do medo,
nem tão-pouco me pertence
este modo de estar só
que inventei sem querer.

De seguro, por agora,
só tenho o corpo que ofereço
ao calor da primavera –
e nem me custa ser eu, se sou
também qualquer homem

de qualquer tempo e lugar
que alguma vez se deitou
sem cuidados ou remorso
entre as árvores enfeitadas
pela breve luz da tarde.

in Oráculos de Cabeceira, 2009
* Agustina Bessa-Luís, 11 Conversações com Dimitri e Outras Fantasias, Regra do Jogo, Lisboa, 1981, p.