Lisbon –
January twenty eleven – this
sky of yours and of the cold months seems
to inebriate the birds and spread out
at length. The slow light of the dead
pool hands its face back to us
at each of your tired corners and
wounded angles, in which I still find
myself gathering the residues of
a fabulous age. Your castaways
float on the surface of these acid
gardens of shadows, shadows sharpening
their beaks on tombstones, distractedly preying:
gaze that enjoys the abandonment
under the wing of late afternoon.
Unreal city among all, your firm
berth subsists from seism to seism,
while sleep leans on us, and I wander
through a sad dream
from which I’m tired of waking. Paths
where obscene flowers insistently grow, small
stinking flowers among roots of rain and
deaf sounds, sucking in the forlorn light
whose remains live between
two heartbeats.
In your cafés, drinkers of silence /
emigrants from other worlds
serenely burn, sitting
at crazy tables engraved with birds, brief
compendia and routes that took
us so far only to make us miss you.
Old radios incessantly praise
your memory, melodies in ruins,
notes that fill up our blood, our voice,
just to impress on us your terrifying charm,
echoes and presences of your most beautiful
mosaic of debris.
So close to words, that fragile
pulse: blank verses waiting for
everything. Yearnings, a flap of wings,
something to set fire to the fuse of these
ethylic fevers, genial indigestions.
One of those kids you most favour
holds a knife and slices
cocoons, pierces the larvae that hoped
for the beatitude of flight, and hangs them
on a string, teaching us something else
about that desillusion stuff.
I see things, I see them move about your streets
in rhythms of supplication, sweet humiliation
of self devouring figures
like in mirrors. The maiden
has aged but her body
is still sweet, a reading that takes time
and when it arrives speaks only to strangers
or stays silent, closes her eyes and, standing still,
seems to dance alone. She’s rare,
each of her gestures is almost historic
and she pulls her Ariadne’s thread through
your plundered quarters. This taste of
decline, of end of empire.
This hour when all the west
will be given its last rites
by one of your fools.
© Translated by Ana Hudson, 2011
Lisboa –
Janeiro de dois mil e onze –, este
teu céu e dos meses frios parece
embriagar as aves derramando-se
lentamente. A vagarosa luz de tanque
morto devolve-nos o rosto
em cada um dos teus recantos de cansaço
e ângulos feridos onde ainda me acho
acumulando resíduos de uma idade
fabulosa. Os teus náufragos
à superfície destes jardins ácidos
de sombras, sombras que afiam o bico
nas lápides e os espiam, distraídos:
o olhar nesse gozo de ir pelo abandono
sob a asa do fim da tarde.
Cidade entre todas irreal, teu colo
firme resiste, sismo a sismo,
enquanto o sono nos inclina, e vagueio
como por um triste sonho de que
me cansei de acordar. Caminhos
onde teimam flores obscenas, pequenas
flores nauseabundas entre as raízes da chuva
e surdos sons, sorvendo essa luz esquecida
de que sobra um resto e vem separar-me
duas pulsações.
Nos teus cafés ardem, calmos, bebedores
de silêncio / emigrados doutros mundos,
sentados a estas mesas endoidecidas
onde entalharam pássaros, breves
compêndios e rotas que nos levaram
tão longe só para te sentirmos a falta.
Velhos rádios louvam sem descanso
a tua memória, ruínas de melodias,
notas que nos enchem o sangue, a voz,
só sublinhando este terrível encanto,
ecos e presenças deste teu belíssimo
mosaico d’escombros.
Tão perto das palavras, esse frágil
pulso: versos brancos à espera
de tudo. Ânsias, um bater d’asas,
algo que acenda o rastilho destas febres
etílicas, azias geniais.
Um puto desses de que mais gostas
tem uma navalha nas mãos e risca
casulos, retira-lhes a larva que aguardava
a beatitude do voo, e atravessa-as num fio,
ensinando-nos mais qualquer coisa
sobre isso da desilusão.
Vejo coisas, vejo-as mexer pelas tuas ruas
nestes ritmos de súplica, a doce humilhação
de figuras devorando-se umas nas outras
como em espelhos. A menina e moça,
está um pouco velha, mas o seu corpo
ainda é doce, uma leitura demorada
que chega e só fala a estranhos,
ou cala-se, cerra os olhos e, quieta,
parece dançar sozinha. Rara,
cada pequeno gesto quase histórico,
estende o seu fio de Ariadne entre
os teus bairros depredados. Este gosto
a declínio, a fim de império.
Esta hora em que todo o ocidente
receberá de um dos teus loucos
a extrema-unção.
Unpublished, 2011
© Diogo Vaz Pinto