The rain lay insolently down on the ground
of the afternoon like a bitch whose pups were killed.
And poisonous milk spills from her teats.
Like darts.
The doors slam deaf on our ears
and the bodies can’t resist their watery laments.
As much is claimed by
Jehovah’s witnesses
or witnesses of any other god more inclined
to lightness of soul.
All the gates guarding the world from a drenched
madness seem to shiver.
There’s no time to waste on this train
that shines in the distance
with its infected, shipwrecked eye.
My hands are dry.
But my lips are adrift in the tumultuous
stream of words,
from speech to speech, searching for shade,
escaping nightmares.
I don’t know how to stop this water of misery
poured by the afternoon into my teacup in a room of corpses,
or given to me as a useless gift in a library.
But the telephone is now exuding mud from its miniscule holes
and the friendly voice is drowning
in tears.
And I’m neither a dyke, nor a wall, nor a boat,
rather a body afloat in a glass of whisky
in an unforgiving transparent loneliness:
not even alcohol spares me this deluge.
© Translated by Ana Hudson, 2010
Segundo direito frente
A chuva deitou-se desabrida no chão
da tarde como uma cadela a quem mataram os filhos.
E um leite envenenado corre das suas tetas.
Como setas.
As portas batem surdas nos ouvidos
e os corpos não resistem aos seus lamentos de água.
É o que dizem as testemunhas
De Jeová
ou de outro qualquer deus mais afeiçoado
à leveza da alma.
Parecem tiritar todas as cancelas
que protegem o mundo de uma loucura molhada.
Não há tempo a perder neste comboio
que brilha na distância
com o olho infectado pelo naufrágio.
As minhas mãos estão secas.
Mas os lábios correm à deriva na tumultuosa
corrente das palavras,
de fala em fala, em busca de um lugar
de sombra, fugindo ao pesadelo.
Não sei deter esta água da miséria
que a tarde me deita na chávena de chá de uma sala de mortos
ou me dá de presente inútil numa biblioteca.
Mas já o telefone jorra lama dos mínimos buracos
e a voz amiga afoga-se
nas lágrimas.
E eu nem sou dique, nem parede, nem barco,
um corpo mais à tona no vidro do uísque
na transparente solidão que não perdoa:
nem mesmo o álcool me impede este dilúvio.
in Lisboas – roteiro Sentimental, 2000