26
To be an adult is almost impossible in this callow
world. You believe more in a Microsoft
file than in your grand-mother’s psalmodies.
The new god of the world will be a musically-gifted
adolescent with a hairstyle that emulates
the heroes of manga comics. Light hastens
to arrive before it gets old.
27
To no longer have room for images.
I know everything fits in a floppy disk,
but that’s where we lost our minds.
We have screens, hard drives, light
with little darkness on the city slopes.
We shall swap our memories,
live other lives. What dream is now?
28
Ah, you spoke well. To love in order to survive
at the speed of light. We arrive home and the windows
hide the sea and the loss of shadows.
We lay our bodies on a television-less sofa,
and milk the anti-christ through absent war.
We undress, show to time our
genitals and order them to founder the dark.
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Angels are recyclable and literature
controls the air traffic. In the hold of
thought we wave at softness,
while God is a physiotherapy practice.
We maintain electricity plants
at acceptable levels of sentimental education.
We are men of darkness ejecting light.
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On the mountain we set up tents, warm up
music. Light belongs to the tribe, the Great Stone
listens. We are shamans, escapees from the skin
of the City, stripped of Future by the river.
We will learn to produce sustenance for ourselves,
digitally forget Success, make utopia’s hands
be born again. In this world god will dance.
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And thus we rehearse the book between
darkness and light, our splintered hearts
tearing up new archipelagos. They are
white, the beehives that pink-tinge
words, stones, constellations of laughter
and algae we carry at twilight.
Poetry doesn’t know how much we owe you.
© Translated by Ana Hudson, 2012
in Breve Ensaio sobre a potência
26
Ser adulto é quase impossível no mundo
só imberbe. Acreditas mais num ficheiro
Microsoft do que nas salmodias da tua avó.
O novo deus do mundo será um adolescente
com jeito para a música e o cabelo a imitar
os heróis da manga. A luz desloca-se com
pressa para chegar antes de envelhecer.
27
E já não haver lugar para as imagens.
Eu sei que cabe tudo em disco externo,
mas foi aí que nós perdemos a cabeça.
Temos placas, rígidas plataformas, luz
com pouca treva nas costas da cidade.
Havemos de trocar as nossas memórias,
viver as outras vidas. Que sonho é agora?
28
Ah, disseste bem. Amar para sobreviver
à razão de luz. Chegamos a casa e as janelas
recobrem o mar e o esquecimento do vulto.
Deitamos os corpos no sofá sem televisão,
ordenhamos o anti-cristo pela guerra ausente.
Despimo-nos, mostramos ao tempo o nosso
sexo, ordenamos-lhe que afunde a escuridão.
29
Os anjos são recicláveis e a literatura
controla o tráfego aéreo. No porão do
pensamento acenamos à suavidade,
enquanto Deus é uma sala de fisioterapia.
Conservamos as fábricas de electricidade
em níveis aceitáveis de educação sentimental.
Somos homens negros paridores da luz.
30
Na serra aliamos as tendas, aquecemos
música. A luz é da tribo, a Grande Pedra
escuta. Somo xamãs foragidos da pele da
Cidade, despidos do Futuro junto ao rio.
Vamos aprender a fabricar-nos alimentos,
esquecer digitalmente o Sucesso, renascer as
mãos na utopia. Neste mundo deus vai dançar.
31
E assim ensaiamos o livro entre a
treva e a luz, o coração despedaçado
rasgando novos arquipélagos. São
colmeias brancas que nos coram as
palavras, pedras, constelações de risos
e de limos que transportamos na penumbra.
A poesia não sabe o quanto te devemos.
in Breve Ensaio sobre a Potência, 2012